Saturday, April 28, 2007

A SEGUNDA IMPRESSÃO DO BRASIL

Se a primeira impressão do Brasil foi o thread do vila boa, um sucesso absoluto em repplies, que mostra imagens do caminho do aeroporto Galeao até a cidade do Rio. Agora uma reportagem da Veja traz essa semana a segunda impressão de um tipo de turistas - os mochileiros de paises de primeiro mundo - que incluiram o Brasil em sua rota global.


Os turistas que adoram
ser "cariocas
"


Eles chegam de mochila nas costas
e rapidamente descobrem os bares,
a praia, o ônibus e o samba


Karla Monteiro


Na quadra do Salgueiro, o grupo estrangeiro arrisca passos de samba com a guia de uma operadora especializada em atender mochileiros. A maioria deles só recorre ao serviço quando o passeio vai além da Zona Sul

A inglesa Vicky Gardener, 27 anos, é produtora de TV. A canadense Nicole Aylward, 23, trabalha em uma empresa de extração de petróleo. Francesca Camini, 27, veio da Suíça, onde dá aulas para crianças. Os neozelandeses Chris Becroft, 28, e Josh Stack, também 28, são surfistas e atravessaram o mundo em busca de boas ondas. Juntos, eles arrastam as sandálias havaianas pelas ruas de Copacabana. Viraram amigos no albergue Rio Backpackers, uma construção simples e confortável pendurada no alto da Travessa Santa Leocádia. No meio do caminho, sete britânicos, um deles do País de Gales, mais um neozelandês, uma francesa e um jovem da Costa Rica, para dar o tom latino, se agregam ao grupo. O destino é o mesmo da noite anterior: a Lapa. Ou, mais precisamente, o Beco do Rato. Na Avenida Copacabana, alguns entulham uma van, negociando o preço com o cobrador. Os outros saltam em um ônibus. Aos gritos, combinam se encontrar embaixo dos Arcos. Já se tornaram, como costumam dizer, "locais". "A noite aqui é maravilhosa. Adoro samba. Não tenho planos concretos de viagem. Só sei que vou ficar no Brasil três meses", diz Nicole. "Eu resolvi parar alguns meses e viver a vida do Rio. Eu amo a combinação de cidade grande e praia", comenta Francesca, uma suíça que faz questão de ressaltar seu sangue italiano.


A inglesa Vicky (deitada) curte a praia com os conterrâneos Andrew, Daniel e Clear. Na noite anterior, ela se perdeu e acabou no Pavão-Pavãozinho: "Foi um acidente. Mas adorei as pessoas e a cerveja era barata"

Os mochileiros são novidade na paisagem carioca. Começaram a aportar timidamente por aqui há cerca de cinco anos e ainda nem fazem parte das estatísticas oficiais, embora já chamem atenção. "Esses garotos são viajantes experientes e exigentes. Desejam um turismo de imersão na comunidade. Não estão interessados apenas nos ícones tradicionais, como o Pão de Açúcar e o Corcovado", afirma Paulo Bastos, subsecretário de Turismo do município. "É um viajante bem diferente do convencional, aquele com cara de gringo, camisa florida e máquina fotográfica pendurada no pescoço. Agora temos outra tipologia nas ruas", completa. O crescimento progressivo do turismo jovem no Rio pode ser medido pelo aumento galopante da forma de hospedagem que se procura – os albergues. Em 2000, existia apenas uma casa do gênero credenciada pela rede Hostelling International. Hoje são seis os albergues filiados, além de cerca de cinqüenta hospedarias independentes, quase todas inauguradas nos últimos dois anos. O site www.hostelworld.com, a principal ferramenta de busca de mochileiros de todo o planeta, contabiliza 45 albergues para quem clicar em "Rio de Janeiro". Além de maior, a oferta está melhor. Muitos albergues têm piscina, área de lazer com mesa de sinuca e churrasqueira, sala para ver DVDs e, claro, barzinhos descolados que viram ponto de encontro dos viajantes. "Em 2000, recebemos 4.687 jovens nos albergues credenciados. Em 2006, esse número dobrou", festeja Ana Maria Rodrigues da Silva, secretária-geral da Federação Brasileira dos Albergues da Juventude.


John Robson diz que nos Estados Unidos todos os seus amigos têm medo doo Rio. Sua experiência, no entanto, desmistificou a cidade. Ele aprendeu forró na Lapa, sentiu-se em casa ao lado da estátua da Liberdade, na Barra, e elegeu o sanduíche de filé com queijo do Polis Sucos a melhor refeição: "Adorei o estilo de vida daqui"

O desembarque dessa garotada que carrega a mochila nas costas e nenhum compromisso na cabeça está gerando iniciativas criativas. Em Santa Teresa, os amigos João Vergara e Leonardo Rangel criaram a rede Cama e Café, em que moradores credenciam sua casa para receber os mochileiros. Já são cinqüenta residências filiadas. "Viajamos para a Europa e vimos que os bed & breakfast funcionam muito bem. Ficando em casas de família, sacamos melhor os hábitos culturais de cada país que visitamos. Na volta, resolvemos implantar a idéia", comenta João. "Os hóspedes que nos procuram querem uma experiência que vai além da contemplação", diz. O negócio está indo de vento em popa. Em 2005, 1 350 jovens encostaram sua mochila em uma das casas da rede, criada em 2003. No ano passado, o número subiu para exatos 2 000 hóspedes. A Cama e Café já figura até na lista dos "top 5" do guia Lonely Planet, a bíblia dos mochileiros. O artista plástico Wanderley Figueiredo, dono de um apartamento com vista de encher os olhos próximo ao Largo das Neves, é um dos moradores de Santa Teresa que resolveram abrir suas portas. O movimento está cada vez mais intenso. "Já recebi cerca de 300 pessoas em quatro anos. Os garotos acabam se tornando amigos. Quando vou a festas, eles vão comigo. A gente se ajuda", conta. Na semana passada, Wanderley preparava o café-da-manhã caprichado para os artistas circenses Giacomo Constantini, 24 anos, e Fabiana Ruiz, 25. Ele, italiano. E ela, uruguaia radicada em Roma. "O Rio tem um jeito diferente de viver. Muito difícil encontrar uma palavra para definir. Gosto da expressão no rosto das pessoas", diz Fabiana. "Escolhemos ficar em uma casa porque é mais barato. Mas acabou sendo uma escolha perfeita. O Wanderley é interessante. Tem uma troca", comenta Giacomo. Além da Cama e Café, existe a rede BBBrasil, com oitenta residências credenciadas na Zona Sul, a maioria em Copacabana.


A canadense Nicole Aylward (à esq.), a suíça Francesca Comini e os neozelandeses Chris e Josh esquentam as baterias no bar do albergue Rio Backpackers. "Aqui não existe pressão. Foi o lugar no mundo onde me senti mais livre. Na Nova Zelândia, vivemos sob regras. E lá não tem as garotas que tem aqui", diz Josh

Os motivos que explicam a entrada do Rio – e do Brasil – na rota dos mochileiros são muitos: desastres naturais, como o tsunami, na Ásia, até então o principal foco de atração da garotada européia; criação de um ministério exclusivo para o turismo, que melhorou a divulgação do país lá fora; barateamento das passagens aéreas; e, principalmente, o lançamento do around the world ticket por companhias aéreas. O tíquete permite a parada em até cinqüenta países no prazo de um ano. Os ingleses Henry Worssam, Tom Davies, Harry Dent e Will Hylton, por exemplo, estão dando a volta ao mundo, uma prática comum entre os jovens da Europa e da Austrália. É o chamado gap year, o ano sabático antes do ingresso na universidade. Eles contam que incluíram o Rio no rol de lugares que pretendem visitar por causa da "propaganda". "Temos ouvido falar muito do Rio na Inglaterra. O Brasil está na moda", diz Harry. "Vamos esperar o show do Ben Harper e depois seguimos para a Argentina. De lá, atravessamos para a Nova Zelândia", conta Tom. O quarteto, todos com 19 anos, tem se divertido. Com o mau tempo, estão, como dizem, de bar em bar, de boate em boate. Mas também resolveram encarar o Favela Tour, na Rocinha. "Eu nunca tinha visto nada igual na minha vida. Traficantes segurando armas, enquanto crianças correm de um lado para o outro", comenta Henry. "Mas adorei. Vou recomendar. O que para mim era o lado ruim do Rio acabou virando o lado mais interessante. Eu me senti completamente seguro e bem-vindo."


Lisa Lundgvist, sueca, 21 anos, ficou hospedada na vila da Barão da Torre, onde onze das vinte casas são albergues. Da cidade, ela leva a lembrança do show de Rita Lee na Praia de Copacabana: "Eu amei a rock'n'roll lady. Ela é incrível, com aqueles cabelos vermelhos. Não levei a minha câmera porque fiquei com medo. Fui uma idiota mesmo. Ficamos na areia, muito à vontade"

A moradora da Vila Canoas Eneida Santos, 35 anos, constatou o interesse dos jovens estrangeiros pelas favelas e resolveu transformar curiosidade em negócio. Em 2005, ela saiu de casa em casa na favela localizada em São Conrado à procura de interessados em receber turistas. Não foi muito feliz na empreitada. Só conseguiu dois adeptos para a idéia. Mesmo assim, resolveu inscrever os anfitriões em um portal de albergues. "Faltavam quinze dias para o Carnaval e passava das 2 horas da manhã quando pus o anúncio na internet. Às 3 horas, já estava tudo lotado", conta. Nesse primeiro Carnaval, dez turistas vindos da Inglaterra e da Austrália ficaram hospedados na Vila Canoas. "Como deu tudo certo, mais moradores se interessaram. Eles tinham medo dos estrangeiros. Agora, não. Os gringos ficam pelas ruas, brincam com as crianças, compram no mercadinho, na padaria", diz. O projeto de Eneida, Favela Receptiva, conta hoje com vinte residências. Em 2006, setenta jovens passaram pela Vila Canoas. E foi criada no ano passado uma oficina de idiomas, onde cada um ensina a língua que sabe. "Eles se integram totalmente. Querem aprender português. Ensinam inglês, espanhol. Virou mais do que só hospedagem. Virou um intercâmbio cultural", celebra a mentora do projeto.


O argentino Juan Manuel, 26 anos, está no Rio desde o réveillon e pretende ficar mais um mês. Tem passado todas as noites pelos bares da Lapa, seu lugar favorito: "O que mais gostei daqui, com certeza, foi o povo. É um pouco parecido com Buenos Aires. Me encantaria poder viver aqui por um tempo"

Outra vila que virou point dos mochileiros fica em uma paisagem bem diferente: a Rua Barão da Torre, em Ipanema. Lá, onze das vinte casas viraram albergues. O movimento começou com os suecos Robert e Roque, em 2001. Eles alugaram uma casa e decidiram receber seus conterrâneos de passagem pela cidade. A moda pegou. Agora, além de muitos suecos, todas as nacionalidades desfilam pela ruela, onde o valor de venda das casas saltou de 200.000, há cinco anos, para os atuais 600.000 reais. Segundo Rosa de Jesus, 77 anos, a mais antiga moradora da vila, o movimento trouxe, além da valorização do patrimônio, muita alegria. "Os garotos me dão atenção, brincam comigo. São ótima companhia. Eu gosto até do barulho que fazem", diz. "Os meninos chegam ao Rio em busca do que chamo de capital humano, e a cidade oferece isso de sobra", acrescenta o vizinho Robert.


No sentido horário, os britânicos Ranulf, Penny Twigg, Will Hylton, Henry Worssam, Harry Dent e Tom Davies. Eles fizeram do bar do albergue Che Largato, em Ipanema, ponto de encontro para as noitadas nas boates cariocas. Ficaram fãs da Melt, no Leblon

O cineasta americano John Robson viveu toda sorte de, digamos, intercâmbios culturais no Rio. Quando desembarcou na cidade, em pleno réveillon, acompanhado de um amigo que já voltou para casa, acabou num motel em frente à favela do Vidigal. Não sabia que, no Brasil, os motéis tinham finalidade diferente da que têm nos Estados Unidos, onde motel é sinônimo de hotel barato. "Achei estranho, aquela garagem, aqueles olhares para nós. Mas a vista era linda", brinca. De lá, seguiu para o Sheraton. "Estávamos precisando de conforto. Viajamos por toda a América do Sul antes de vir para o Rio", diz. Como mochileiro que se preza, John gosta mesmo é da vida social dos albergues. Depois de duas noites de cinco estrelas, migrou para o Rio Backpackers. Em suas andanças pela cidade, incluiu a Barra da Tijuca. "Passear no shopping foi bom por dez minutos. Mas sabe que me senti em casa naquela vizinhança...", comenta, com olhar zombeteiro. O shopping em questão tem uma réplica da Estátua da Liberdade na entrada. Outra aventura do americano em terras cariocas deu-se num táxi. Segundo ele, para enganar os desavisados, muitos motoristas não ligam o taxímetro. "O motorista queria cobrar 70 reais de Laranjeiras até Copacabana. Eu me recusei a pagar e ele travou as portas do carro. Depois de muita negociação, paguei 25 reais." Normalmente, a corrida daria em torno de 15 reais. Mesmo com tantos enganos, John está encantado. "O Rio é o meu lugar favorito da viagem. Gosto do estilo de vida daqui. A noite só começa depois da meia-noite, horário em que ela está acabando em Los Angeles. A música tem alma. Até já tentei aprender a dançar forró no Democráticos", conta. A lista do que John mais curtiu na cidade inclui o sanduíche de filé com queijo do Polis Sucos, em Ipanema; o açaí do Bibi Lanches, no Leblon; a carne do Porção do Flamengo. "Agora, só falta subir uma favela. Amei a arquitetura. O Rio é a única cidade do mundo onde os pobres moram no alto e têm a melhor vista. Isso é que é democracia", diverte-se.


Os israelenses Roni Mizrahi e Bem Bachar terminaram o serviço militar e pretendem viajar um ano pela América do Sul. Relaxam na vila da Barão da Torre antes de botar o pé na estrada: "O Rio é lindo, mas muito caro para quem não ganha em euro">

0 comments: